terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Do otimismo ao...

Basta que a melhora se aloje em minh'alma para que um sucessão de coisas ruins me cerquem novamente. Os meus medos retornam mais fortes e é quase imposssível de lutar contra os meus demônios. Eu me pergunto se isso um dia mudará e tenho um mau pressentimento quanto a essa resposta. Talvez eu saiba clara e perfeitamente o que vai acontecer e, sinceramente, não vejo solução. Não gostaria de um final trágico.

E em meio a tudo isso, eu procuro por algo que me mantenha esperançoso com relação ao dia a dia. Deus, pra ser mais preciso. Não o encontro. Começo a questionar e não obter resposta. Na verdade, obtenho respostas que não gostaria. Confirmações. É difícil mudar a mentalidade que um dia pertencera ao lado religioso. Da infância à adolescência eu estava lá, escutando pregações de pastores e missionárias, onde eles afirmavam e prometiam muitas coisas em nome de Jesus. E eu sentia medo, acima de tudo. Seguia a regras, não ao pé da letra, com medo de um dia não conseguir entrar no tão sonhado Reino do Céus. Também observava e prestava bastante atenção nas palavras “céu”, “inferno”, “demônio”, “Jesus”, “Espírito Santo”, “prosperidade”, “pecado”. Apresentavam-se quase sempre. E me faziam pensar, e pensar, e pensar; o medo era inevitável. Também sentia-me esperançoso por um lado, pois acreditava que alguém estava olhando por todos nós. E isso me acalmava até escutar as tais palavras novamente.

Decidi abandonar tudo isso, pois comecei a notar muitas atitudes incompatíveis com o lugar e a ideia de religioso em si. Não era santo, mas comparado àqueles que diziam temer a Deus e seguir fielmente sua voz através da bíblia, certamente conquistaria o meu lugar no céu com mais facilidade. Se a igreja é o lugar onde deveria haver respeito, compreensão, generosidade e amor ao próximo, por que é que também reina ali intrigas, inveja, fofoca e desavenças? “Ah, mas todos nós somos pecadores. Jesus está sempre a perdoar os nosso atos”. Entendo, mas o apropriado, pra não dizer coerente, não seria evitar todos esses tipos de “sentimentos” e atritos? Quer dizer, se você faz parte de algo considerado sagrado, deveria ao menos fazer valer a ideia e representá-lo como o tal. Em todos os casos, resolvi largar. Não conseguia aceitar o fato de existir grupinhos, panelinhas em um local onde todos deveriam viver em harmonia, como se fossem um, independente de suas diferenças.

Fora do círculo sacrossanto, comecei a notar muitas injustiças ao meu redor. Pessoas boas que se vão, pessoas más que ficam e continuam a disseminar e causar a maldade como se não vivessem para outra finalidade. Alguns com muito, outros com pouco. Uma desproporção que não condiz com o que eu costumava escutar: Deus está olhando por todos. Mas isso não surgiu, assim, de repente. Eu precisei sentir na pele. Digo, eu e meus familiares. Até então eu achava que toda a desgraça do mundo era natural. Não iria acontecer conosco, pois tínhamos Deus no coração, em nossas vidas. Ah, o doce gosto do fel veio na forma de engano.

“Deus, eu preciso de respostas. O senhor vai me ajudar?”, “Deus, ela está precisando e pedindo por misericórdia em seu nome. Ajude-a, por favor. Eu lhe peço”. Nada. “Olha, você não está suplicando com sinceridade. Tudo é no tempo do Senhor. Tenha fé e abra o seu coração”, uma das frases que mais escutei. Tudo no tempo de Deus. Faz sentido, só que se precisamos de uma resposta urgentemente, ou um sinal, que seja, por que este não o envia? Algo muito simples, por assim dizer.

Infelizmente o que encontrei foi totalmente o contrário ao que buscava. E me decepcionei. Gostaria mesmo que existisse algo maior que olhasse por todos. Mas esse mundo é uma grande ilusão. Não mais me prenderei à isso. O desapego é o que busco agora. Total. A família é a base, mas não estarão comigo pra sempre. Enquanto isso, acredito que a ciência pode me ajudar, de uma forma ou de outra, mesmo que o resultado seja catastrófico. Os meios é que não faltam.

Raio de Sol

Estávamos frente a frente, sentados, e eu a observava. O modo como me contava sua infância e suas expressões faciais que mudavam entre algo sério e um sorriso que esconde o nervosismo me prendiam. Não conseguia deixar de prestar atenção nos seus olhos, que exprimiam um sentimento forte, de uma mulher batalhadora, embora ainda em sua plena juventude. Olhos vivos que me hipnotizavam. Um olhar inocente que me trazia tranqüilidade, ao mesmo tempo.

As palavras soavam firme devido ao detalhes que, no começo, não queriam se apresentar; da mesma forma em que se negou educadamente a não tocar no assunto, ou melhor, a não expor sua vida a um desconhecido que, provavelmente, lhe passava confiança. A insegurança feminina. Compreensível. Mas não teve jeito. Iniciou com certa timidez e logo já apresentava tudo claramente, explicando minuciosamente o que passou com quem deveria dar-lhe atenção, carinho e estímulo, mas, ao invés disso, surrava-lhe toda vez que reclamava, e com razão, das atitudes reprováveis de sua genitora para com ela e os demais petizes. E enquanto sua mente remoía o passado sofrido e injusto, fazia com que eu me sentisse um nada. Um qualquer, um mimado. Não quero fazer comparações, mas, já procedendo dessa maneira, posso dizer que tive uma vida tranquilíssima perto do que ela passou.

Enquanto falava, sentia emergir sentimentos que reconheci aos poucos, passando por indignação, raiva, compaixão. Suas palavras cortavam o que eu chamo de revolta. Me envolvi completamente, tentando imaginar as cenas em que aquele lindo rosto chorava, se assustava e até não mostrava sentimento algum, como se tudo não passasse de um pesadelo. Ao me informar sobre os abortos, dos quais presenciou apenas um, o que já é emoção demais para qualquer criança, senti repulsa. O fato do aborto na tentativa de “reparar” o resultado que considerava negativo era repulsivo. O que uma mãe pode se tornar e o que é capaz de fazer. Culpa dos prazeres carnais e falta de caráter. Suei frio. Não demonstrei, mesmo desabando por dentro. Um homem ou um rato? Ah, se tivessem me perguntado isso naquele momento... 

E ela contava, descrevia, enquanto seu olhar procurava algo onde poderia manter-se estacionado por alguns momentos, com o intuito de distrair-se dos meus olhos, que a fitavam quase que sem piscar. Eu buscava esse encontro, pois queria antecipar seus pensamentos e ver sua reação. Ora funcionava, ora fazia-se inútil e constrangedor.  Seu comportamento mudava, mas parecia imutável, apático, na maior parte do tempo. A personalidade forte. Foi isso que mexeu comigo.

Palavra por palavra, enquanto seus lábios me diziam algo mais. Lábios suaves, bem desenhados, do tipo que atraem e pedem por um beijo, de uma forma completamente involuntária. Eram carnudos, mas não excessivos. Menores do que a da Jolie, só que bem mais bonitos. Imaginado tudo isso e repelindo o sonho no mesmo instante. A realidade é bem mais cruel, pois ela nunca me pertenceria. Acontece, acontece.

Entre um fato e outro, tristeza e desilusão, a história complexa tornava-se clara. Não que tenha melhorado. Não, isso não. Questionei algumas coisas e perguntei o que sentia depois de ter passado por toda essa dificuldade que poderia ter sido evitada. — Ódio. Sinto ódio, mas não queria senti-lo. Ao dizer isso, notei que seus olhos, ainda com a mesma vivacidade de outrora, começaram a brilhar. Eu conhecia aquele brilho. Acontece quando estamos prestes a liberar as águas que nos libertam do sentimento sufocante e que também causa aquele nó na garganta. Mas conseguiu se conter. Ou talvez tenha sido somente impressão minha.

Ao final de tudo, como a calmaria que vem depois de uma tempestade, mas que ainda conserva o desastre no local, disse que não se prende a isso. Pretende mudar. Quer viver sua vida com um dos seus maiores motivos de alegria, se não o maior; sua filha. É pelo futuro dela que batalha. — Às vezes, olho para o teto e ao redor da minha casa, e me pergunto se toda essa porra não vai mudar. Mas eu não esquento com isso. Tento não me estressar. Continuo a viver. Se estou sorrindo hoje, é porque chorei muito no passado. Sou alegre, esse é o meu jeito.

Essas palavras me fizeram perceber que ainda é possível acreditar nas pessoas. Me identifiquei. Ela busca algo e tem esperança no futuro. E, confesso: senti vontade de ajudá-la a mudar, mesmo sendo esse “zé ninguém” sem rumo.  A sensação foi ótima e tudo ficou guardado no meu pensamento, até o presente momento. Tomei a liberdade de apelidá-la carinhosamente de “raio de sol”, devido as suas madeixas e, principalmente, como um símbolo: aquele raio de sol que passa por entre uma nuvem e outra, ou que se apresenta pela fresta da janela ou no buraco do telhado, durante o tempo nublado que não se decide, trazendo esperança de um dia ensolarado.